segunda-feira, janeiro 23, 2006
PROVEDORIAS Crónica de hoje, no DN
Portugal imigrante
José Carlos Abrantes
“Seria escrito, caso se tratasse de um português: O português fala alto e explicava que o incidente poderia ter sido mais grave?”
“Morte de jovem em Belém podia ter sido evitada”, foi o título da notícia publicada pelo DN, em 12 de Janeiro, na secção Cidades. Um jovem de 19 anos fora empurrado para a linha férrea tendo morte imediata. Quem cometeu o crime? Um homem com 33 anos foi apontado como suspeito e preso pela polícia.
O editor João Pedro Fonseca defendeu os termos da narrativa, que mencionava a nacionalidade do suspeito: “ Era relevante para a notícia explicar que este sujeito estava em Portugal há pouco tempo, desde Dezembro, que vivera noutro país europeu, e que era de nacionalidade cabo-verdiana. Até para efeitos legais, um indivíduo de nacionalidade portuguesa condenado é preso em Portugal, um sujeito de nacionalidade cabo-verdiana pode, em determinadas situações, ser repatriado. (...) Omitir a nacionalidade em razão de quê? Se tivesse mais pormenores sobre o perfil do suspeito, mais elementos teria utilizado. O leitor quer saber quem é essa pessoa que faz essa coisa horrível que é empurrar pessoas para a linha! O leitor quer saber e o jornalista deve procurar todas essas informações.” (1)
Esta opinião será consensual? Rui Marques, Alto Comissário para a Imigração e Minorias Étnicas, defende o oposto: ”quando não estamos perante um crime de motivação étnica, religiosa ou nacional, constitui, a meu ver, um erro jornalístico atribuir relevância no enquadramento da notícia, à etnia, religião ou nacionalidade do autor (porque não a cor dos olhos, a altura, o signo, a rua onde mora, ou um conjunto de outras irrelevâncias?). Tanto mais que tal só é concretizado quando este pertence a uma minoria visível e nunca é referido quando se trata de um membro da maioria que é sempre "transparente" na notícia. (...) Na notícia referida, em nada transparece no texto a evidência de uma motivação étnica ou nacional para a autoria do crime. Avança-se com a possibilidade de se tratar de um acto cometido no quadro de uma doença mental. Pergunta-se então o porquê a identificação da nacionalidade. (2)
Esta notícia mostra como os crimes são objecto natural da atenção dos media. Alguns estudos apontam para o facto de os cidadãos, que frequentemente não tiveram qualquer experiência pessoal de risco, se sentirem inseguros e atemorizados por saberem pelos media de um crime que pode criar pânico social. Foi o que aconteceu no caso do assalto da Crel, em 2000 ou no falso arrastão de Carcavelos, em 2005. No caso em análise, o clima foi diferente pois a excepcionalidade deste acto não foi apontada pelos media, nem lida pelos cidadãos, como um caso a temer repetições. Um dos elementos questionáveis na notícia é o da nacionalidade do suspeito ser referida. Poder-se-á dizer, como o editor, que a nacionalidade contextualiza o acto. Mas o desenrolar da notícia aponta para um distúrbio mental como elemento explicativo mais pertinente. Se a nacionalidade é um elemento relevante para a notícia, então esta deveria ter explicado como esse elemento fortuito influiu no crime. Não foi o caso. Aliás há na peça há uma frase incomodativa, pelo tom coloquial que adopta: “O cabo-verdiano falava alto e explicava até que o incidente poderia ter sido mais grave” . Será que este estilo solto, não mostra como está desadequada a utilização da nacionalidade? O alto comissário para a imigração observa: “Seria escrito, caso se tratasse de um português: O português fala alto e explicava que o incidente poderia ter sido mais grave?” Duvida-se que tal acontecesse. Parece-me que são adoptados dois pesos e duas medidas. Temos de pensar se isso não reforça preconceitos contra os estrangeiros, nomeadamente a comunidade cabo-verdiana, que no seu conjunto contribui com o seu trabalho para o desenvolvimento do país e constrói a sua vida sem ter problemas com a lei.
É certo que o DN deu pouca relevância à nacionalidade. Mas jornalistas e editores terão sempre que ponderar a necessidade e os efeitos dos elementos a revelar, mesmo que as fontes os veiculem e alguns leitores apreciem. Um jornal de referência, como o DN, faz-se de grandes mudanças como de pequenos detalhes.
(1) O texto do editor é citado num breve excerto.
(2) O texto integral de Rui Marques pode ser consultado em homomigratius.blogspot.com
BLOCO NOTAS
Escrever sobre crimes
Cristina Penedo publicou em 2003 “O Crime nos media: o que nos dizem as notícias quando nos falam de crime.” O trabalho inclui um estudo de caso, a análise de notícias de crime no Diário de Notícias e no Correio da Manhã, num período de 4 meses, no ano 2000. O Correio da Manhã incluiu nesse período quase duas mil peças sobre crime, o DN menos de mil.
Cristina Penedo afirma que os dois jornais analisados divergem na narração dos factos: “No jornal de referência, Diário de Notícias, a escrita sobre o crime é mais estruturada a partir de acções de controlo, o que traduz uma maior incidência da teia narrativa no modus operandi da polícia ou de outras forças de controlo formal no restabelecimento da ordem, enquanto o jornal popular Correio da Manhã, fornece mais detalhes sobre o modus faciendi da acção transgressiva e concede mais espaço à vitima que aí aparece com alguma frequência em discurso directo. “
Será que a autora foi alguma vez convidada pelo DN ou por qualquer outro órgão de imprensa, rádio ou televisão para dar a conhecer aos jornalistas o resultado das suas reflexões? Talvez isso permitisse tomar consciência do impacto das narrativas.
Blogues no novo DN
O relevo dado aos blogues no DN mereceu um elogio de José Pacheco Pereira (1): “No novo Diário de Notícias, que só agora pude ver em papel com atenção, e que está graficamente muito melhor, há aspectos interessantes ainda pouco notados. Por exemplo, na cobertura eleitoral das presidenciais, pela primeira vez na imprensa portuguesa é dado aos blogues um estatuto comunicacional de primeiro plano. Uma revista dos blogues tem o mesmo espaço da cobertura da televisão, o mesmo acontecendo nas citações com a imprensa tradicional. Bastava reparar nestes dois factos para se perceber a rápida mudança do panorama comunicacional que se está a dar e muitos não querem admitir.” Pelos vistos o DN quer. Ainda bem.
(1) Blogue Abrupto de 19 de Janeiro
Escreva
Escreva sobre a informação do DN para provedor2006@dn.pt: “A principal missão do provedor dos leitores consiste em atender as reclamações, dúvidas e sugestões dos leitores e em proceder à análise regular do jornal, formulando críticas e recomendações. O provedor exercerá, simultaneamente, de uma forma genérica, a crítica do funcionamento e do discurso dos media.”
Do Estatuto do Provedor dos Leitores do DN
Para outros assuntos : dnot@dn.pt
Portugal imigrante
José Carlos Abrantes
“Seria escrito, caso se tratasse de um português: O português fala alto e explicava que o incidente poderia ter sido mais grave?”
“Morte de jovem em Belém podia ter sido evitada”, foi o título da notícia publicada pelo DN, em 12 de Janeiro, na secção Cidades. Um jovem de 19 anos fora empurrado para a linha férrea tendo morte imediata. Quem cometeu o crime? Um homem com 33 anos foi apontado como suspeito e preso pela polícia.
O editor João Pedro Fonseca defendeu os termos da narrativa, que mencionava a nacionalidade do suspeito: “ Era relevante para a notícia explicar que este sujeito estava em Portugal há pouco tempo, desde Dezembro, que vivera noutro país europeu, e que era de nacionalidade cabo-verdiana. Até para efeitos legais, um indivíduo de nacionalidade portuguesa condenado é preso em Portugal, um sujeito de nacionalidade cabo-verdiana pode, em determinadas situações, ser repatriado. (...) Omitir a nacionalidade em razão de quê? Se tivesse mais pormenores sobre o perfil do suspeito, mais elementos teria utilizado. O leitor quer saber quem é essa pessoa que faz essa coisa horrível que é empurrar pessoas para a linha! O leitor quer saber e o jornalista deve procurar todas essas informações.” (1)
Esta opinião será consensual? Rui Marques, Alto Comissário para a Imigração e Minorias Étnicas, defende o oposto: ”quando não estamos perante um crime de motivação étnica, religiosa ou nacional, constitui, a meu ver, um erro jornalístico atribuir relevância no enquadramento da notícia, à etnia, religião ou nacionalidade do autor (porque não a cor dos olhos, a altura, o signo, a rua onde mora, ou um conjunto de outras irrelevâncias?). Tanto mais que tal só é concretizado quando este pertence a uma minoria visível e nunca é referido quando se trata de um membro da maioria que é sempre "transparente" na notícia. (...) Na notícia referida, em nada transparece no texto a evidência de uma motivação étnica ou nacional para a autoria do crime. Avança-se com a possibilidade de se tratar de um acto cometido no quadro de uma doença mental. Pergunta-se então o porquê a identificação da nacionalidade. (2)
Esta notícia mostra como os crimes são objecto natural da atenção dos media. Alguns estudos apontam para o facto de os cidadãos, que frequentemente não tiveram qualquer experiência pessoal de risco, se sentirem inseguros e atemorizados por saberem pelos media de um crime que pode criar pânico social. Foi o que aconteceu no caso do assalto da Crel, em 2000 ou no falso arrastão de Carcavelos, em 2005. No caso em análise, o clima foi diferente pois a excepcionalidade deste acto não foi apontada pelos media, nem lida pelos cidadãos, como um caso a temer repetições. Um dos elementos questionáveis na notícia é o da nacionalidade do suspeito ser referida. Poder-se-á dizer, como o editor, que a nacionalidade contextualiza o acto. Mas o desenrolar da notícia aponta para um distúrbio mental como elemento explicativo mais pertinente. Se a nacionalidade é um elemento relevante para a notícia, então esta deveria ter explicado como esse elemento fortuito influiu no crime. Não foi o caso. Aliás há na peça há uma frase incomodativa, pelo tom coloquial que adopta: “O cabo-verdiano falava alto e explicava até que o incidente poderia ter sido mais grave” . Será que este estilo solto, não mostra como está desadequada a utilização da nacionalidade? O alto comissário para a imigração observa: “Seria escrito, caso se tratasse de um português: O português fala alto e explicava que o incidente poderia ter sido mais grave?” Duvida-se que tal acontecesse. Parece-me que são adoptados dois pesos e duas medidas. Temos de pensar se isso não reforça preconceitos contra os estrangeiros, nomeadamente a comunidade cabo-verdiana, que no seu conjunto contribui com o seu trabalho para o desenvolvimento do país e constrói a sua vida sem ter problemas com a lei.
É certo que o DN deu pouca relevância à nacionalidade. Mas jornalistas e editores terão sempre que ponderar a necessidade e os efeitos dos elementos a revelar, mesmo que as fontes os veiculem e alguns leitores apreciem. Um jornal de referência, como o DN, faz-se de grandes mudanças como de pequenos detalhes.
(1) O texto do editor é citado num breve excerto.
(2) O texto integral de Rui Marques pode ser consultado em homomigratius.blogspot.com
BLOCO NOTAS
Escrever sobre crimes
Cristina Penedo publicou em 2003 “O Crime nos media: o que nos dizem as notícias quando nos falam de crime.” O trabalho inclui um estudo de caso, a análise de notícias de crime no Diário de Notícias e no Correio da Manhã, num período de 4 meses, no ano 2000. O Correio da Manhã incluiu nesse período quase duas mil peças sobre crime, o DN menos de mil.
Cristina Penedo afirma que os dois jornais analisados divergem na narração dos factos: “No jornal de referência, Diário de Notícias, a escrita sobre o crime é mais estruturada a partir de acções de controlo, o que traduz uma maior incidência da teia narrativa no modus operandi da polícia ou de outras forças de controlo formal no restabelecimento da ordem, enquanto o jornal popular Correio da Manhã, fornece mais detalhes sobre o modus faciendi da acção transgressiva e concede mais espaço à vitima que aí aparece com alguma frequência em discurso directo. “
Será que a autora foi alguma vez convidada pelo DN ou por qualquer outro órgão de imprensa, rádio ou televisão para dar a conhecer aos jornalistas o resultado das suas reflexões? Talvez isso permitisse tomar consciência do impacto das narrativas.
Blogues no novo DN
O relevo dado aos blogues no DN mereceu um elogio de José Pacheco Pereira (1): “No novo Diário de Notícias, que só agora pude ver em papel com atenção, e que está graficamente muito melhor, há aspectos interessantes ainda pouco notados. Por exemplo, na cobertura eleitoral das presidenciais, pela primeira vez na imprensa portuguesa é dado aos blogues um estatuto comunicacional de primeiro plano. Uma revista dos blogues tem o mesmo espaço da cobertura da televisão, o mesmo acontecendo nas citações com a imprensa tradicional. Bastava reparar nestes dois factos para se perceber a rápida mudança do panorama comunicacional que se está a dar e muitos não querem admitir.” Pelos vistos o DN quer. Ainda bem.
(1) Blogue Abrupto de 19 de Janeiro
Escreva
Escreva sobre a informação do DN para provedor2006@dn.pt: “A principal missão do provedor dos leitores consiste em atender as reclamações, dúvidas e sugestões dos leitores e em proceder à análise regular do jornal, formulando críticas e recomendações. O provedor exercerá, simultaneamente, de uma forma genérica, a crítica do funcionamento e do discurso dos media.”
Do Estatuto do Provedor dos Leitores do DN
Para outros assuntos : dnot@dn.pt