quinta-feira, março 16, 2006
IMAGENS E MOVIMENTO
"O não-movimento na representação
Do século passado herdámos o retrato dessa tensão entre o movimento e o não movimento que a fotografia e o cinema procuram mimar da realidade. E assim logo em 1839, numa vista do Boulevard du Temple tomada por Daguerre, tudo se pode ver com uma nitidez que espanta Samuel Morse, então em Paris. Tudo menos o movimento (Delpire e Frizot, I, 1989: 12). De facto, só o que não mexe tem registo. Nenhuma pintura ou gravura pode pretender aproximar-se a este resultado, escreve Morse à família, pretendendo assim dar a ideia da objectividade essencial da fotografia (Bazin, 1992:17). Paradoxo: essa objectividade essencial retira à representação fotográfica uma das características primeiras do mundo físico, a do movimento. Nesse conhecido daguerreótipo tudo fica registado, excepto o buliçoso movimento das carruagens e pessoas que o longo tempo de exposição não deixa registar. O único sinal humano é o homem que engraxa os sapatos, mesmo assim não fielmente reproduzido, pois as partes do corpo que se movem não foram também registadas com perfeição. A técnica, fonte de objectividade, reproduz, por um lado, com extrema fidelidade, por outro não consegue captar o movimento, característica essencial da vida humana. Na carta de Morse este refere: "Nulle peinture ou gravure ne peut prétendre s'en approcher [...]; en parcourant une rue du regard, on pouvait noter la présence d'une pancarte lointaine sur laquelle l'oeil arrivait à peine à distinguer l'existence de lignes ou de lettres, ces signes étant trop menus pour qu'on puisse les lire à l'oeil nu. Grace à l'aide d'une lentille puissante, dirigée sur ce détail, chaque lettre devenait clairement et parfaitement lisible, et il en était de même pour les plus miniscules brèches ou fissures sur les murs du bâtiment, et sur les pavés de la rue." (Delpire e Frizot, I, 1989: 12). Morse explica depois que, pelo contrário, os objectos em movimento não deixam qualquer traço."
Abrantes, J.C., Movimentos das imagens, In As ciências da comunicação na viragem do século, Lisboa, Vega, 2002.
"O não-movimento na representação
Do século passado herdámos o retrato dessa tensão entre o movimento e o não movimento que a fotografia e o cinema procuram mimar da realidade. E assim logo em 1839, numa vista do Boulevard du Temple tomada por Daguerre, tudo se pode ver com uma nitidez que espanta Samuel Morse, então em Paris. Tudo menos o movimento (Delpire e Frizot, I, 1989: 12). De facto, só o que não mexe tem registo. Nenhuma pintura ou gravura pode pretender aproximar-se a este resultado, escreve Morse à família, pretendendo assim dar a ideia da objectividade essencial da fotografia (Bazin, 1992:17). Paradoxo: essa objectividade essencial retira à representação fotográfica uma das características primeiras do mundo físico, a do movimento. Nesse conhecido daguerreótipo tudo fica registado, excepto o buliçoso movimento das carruagens e pessoas que o longo tempo de exposição não deixa registar. O único sinal humano é o homem que engraxa os sapatos, mesmo assim não fielmente reproduzido, pois as partes do corpo que se movem não foram também registadas com perfeição. A técnica, fonte de objectividade, reproduz, por um lado, com extrema fidelidade, por outro não consegue captar o movimento, característica essencial da vida humana. Na carta de Morse este refere: "Nulle peinture ou gravure ne peut prétendre s'en approcher [...]; en parcourant une rue du regard, on pouvait noter la présence d'une pancarte lointaine sur laquelle l'oeil arrivait à peine à distinguer l'existence de lignes ou de lettres, ces signes étant trop menus pour qu'on puisse les lire à l'oeil nu. Grace à l'aide d'une lentille puissante, dirigée sur ce détail, chaque lettre devenait clairement et parfaitement lisible, et il en était de même pour les plus miniscules brèches ou fissures sur les murs du bâtiment, et sur les pavés de la rue." (Delpire e Frizot, I, 1989: 12). Morse explica depois que, pelo contrário, os objectos em movimento não deixam qualquer traço."
Abrantes, J.C., Movimentos das imagens, In As ciências da comunicação na viragem do século, Lisboa, Vega, 2002.