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sábado, janeiro 13, 2007
AGENDA, Hoje
É inaugurada hoje uma exposição de Manuel Luís Cochofel
ás 18h, na Cooperativa de Comunicação e Cultura, Rua da Cruz, nº 9, em Torres Vedras.

O Manuel Luís Cochofel foi meu aluno num curso de imagem do Cenjor. Pediu-me um texto para o catálogo o que fiz com prazer.



"Os laços da fotografia

O nome Manuel Luís Cochofel apareceu-me, pela primeira vez na leitura de um currículo. Tratava-se de uma candidatura a um curso de imagem que organizava no Cenjor. O candidato era professor de música e fazia fotografia por gosto. Como participei na selecção considerei importante o convívio de uma sensibilidade musical com os perfis ligados aos jornalismo, a grande maioria dos escolhidos. A sua presença no curso mostrou que a fotografia e a música podem ser excelentes aliadas: numa aula fez o reconhecimento da música da sequência inicial de M Matou, de Fritz Lang. Mostrara várias vezes a mesma sequência a diferentes grupos de alunos: Ninguém ouvira a banda sonora com tal precisão. A música referida é o andamento 'No Palácio do Rei da Montanha' da Suite
'Peer Gynt', de Edward Grieg. Nele se evoca
o momento em que os Trolls, os ogres da montanha, atacam Peer Gynt. A tensão das imagens, dando-nos a conhecer a morte de uma criança por um criminoso, convive bem com o dramatismo das sonoridades. Foi um pequeno detalhe revelador de um olhar peculiar que o ouvido musical treinado pode lançar sobre o cinema e a leitura das imagens. No fim do curso, cada aluno apresentou uma imagem por si escolhida ou criada. O Manuel Luís Cochofel apresentou uma fotografia, de sua autoria, a cores, em que encenara, discretamente, a sua nudez num universo de caos e desolação. O curso acabou e fui acompanhando, uma ou outra vez de modo mais próximo, a actividade de Manuel Luís Cochofel na fotografia. As imagens têm esse condão de favorecer laços entre pessoas, entre as pessoas e o mundo, entre as pessoas e as formas.
Nesta exposição estão todos estes laços invisíveis que o fotografo nos revela: pessoas que se tornam figuras liliputanianas em universos actuais de um Portugal quase sempre moderno, raramente deteriorado; pessoas invisíveis que deixaram marcas nas superfícies fotografadas; pessoas que se tornam actores, em gestos de lazer e de trajectos; pessoas que se perfilam num canto de rua ou numa proximidade invulgar face a um comboio imobilizado; pessoas que estão numa escada rolante à distância de um olhar. Algumas das imagens expostas lembram como a fotografia pode ser um intenso revelador das performances cénicas por nós desempenhadas na vida de cada dia. Como se os ritos de interacção, de que fala Erwin Goffman, estivessem ao dobra de cada esquina ou numa corriqueira tarefa de verão.
Os laços são também com o mundo e começam por ser a preto e branco, saltando depois para a cor. "Life is in color, but black and white is more realistic" é uma afirmação de Wim Wenders . As imagens têm uma ambivalência que nos faz acreditar, simultaneamente, na justeza e na desadequação desta afirmação. É verdade que o preto e branco, em certo sentido, nos aproxima ao realismo do mundo, mas os processos do fotógrafo dele nos afastam. Mostram-nos a pala de Siza Vieira ou o Pavilhão Atlântico como nunca os viramos. Fixam os gestos quotidianos como a expressão de um momento sublime de que nos afastamos pelo olhar ensonado de todos os dias. Outras vezes são as sombras pesadas que contrastam com a luz que revela pormenores. E uma interrogação se impõe: porque será que o preto e branco pode parecer mais próximo do mundo real, quando é uma sua "deturpação"? Estamos perante mais um paradoxo da imagem que, para reproduzir artisticamente, precisa de convenções, logo de se afastar do que existe. A arte traz-nos o prazer de ver, com olhares expressivos, as rotinas por nós automatizadas em formas vulgares. Nesta exposição temos a possibilidade de usufruir desse olhar que nos torna próxima uma estética das cidades, dos seus habitantes, dos seus gestos: um olhar que congela um momento e nos revela lugares e situações únicas .
As imagens são também elementos de uma teia que nos mergulha noutras imagens e em palavras que as sabem exprimir com rigor ou fantasia. Ao ver as cidades desta exposição não pude deixar de evocar Henri Cartier-Bresson e a sua definição de fotografia: “A fotografia é, no mesmo instante, o reconhecimento simultâneo da significação de um facto e da organização rigorosa das formas percebidas visualmente que exprimem e significam esse facto.” Olhar as fotografias de Manuel Luís Cochofel é um excelente exercício prático para compreender estas palavras de um dos mestres fundadores da fotografia.

José Carlos Abrantes
Lisboa, 29 de Dezembro de 2006
 
José Carlos Abrantes | 8:53 da manhã |


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