segunda-feira, janeiro 09, 2006
PROVEDORIAS Cronica de hoje, no DN
Crise, essencial à imprensa
José Carlos Abrantes
Pelo DN passou a história do país.
A imprensa tem enfrentado crises sucessivas com o aparecimento de novos media e de novas condições. Mas, de cada vez, a imprensa escrita soube renovar-se. Como fará desta vez .
Foram revelados recentemente os números das vendas de vários jornais de períodos comparados de 2004 e 2005. Verificou-se uma queda evidente, jornal a jornal, com poucas excepções. As razões da crise normalmente apontadas radicam no papel influente da televisão, na explosão da internet, no crescimento dos jornais gratuitos, bem como no baixo índice de leitura da imprensa. Alguns dos factores, como a internet ou a influência da televisão, são comuns a vários países. Mas a circulação média, embora tendo subido nos últimos anos para cerca de 90 jornais por cada mil habitantes, mantém-se como um indicador específico da fragilidade do nosso país (Paulo Faustino, ver Bloco Notas). Há países nórdicos onde se editam cerca de 600 jornais por cada mil habitantes. Portanto, há crise na imprensa escrita em Portugal.
Mas entendamo-nos sobre o sentido da palavra crise. A palavra tem origem no termo grego Krisis que significa decisão. No sentido corrente a crise passou a ser uma fase grave na evolução das coisas, dos acontecimentos, das ideias ou de uma doença. Os significados ligados à medicina apontam a crise como um momento de evolução de uma doença, um momento decisivo para a cura ou para a morte. Esta ideia de mudança de estado, de transição não tem que ser associada a um estado de evolução negativo. No início dos anos sessenta Thomas Kuhn escreveu que grandes transformações no pensamento científico levam a que os paradigmas de investigação dominantes sejam postos em causa (A estrutura das revoluções científicas). Nesses momentos instala-se uma crise que este considerou uma tensão essencial para a transição para novos modos de pensar a ciência. Esta atitude, menos divulgada, tem mais sentido para os agentes sociais que se encontram confrontados com as crises, dando-lhes novos horizontes e hipóteses de actuação. Se consideramos a crise como um momento de mudança, encontraremos também alguns elementos interessantes nas reflexões sobre o modo como estas se realizam. Há mudanças que se conseguem mais facilmente através de comportamentos paradoxais do que através de decisões de bom senso e lógica tradicional (ver Bloco Notas).
Mas voltemos então às origens da crise na imprensa. A imprensa gratuita tem dimensões contraditórias. Por um lado, retirou leitores aos jornais já estabelecidos. Mas, por outro, mostrou categoricamente que havia possibilidade de alargar o público leitor. Dada a gratuitidade, a imprensa paga não tem a mesma possibilidade de expansão. Mas esta evolução mostra que há outros terrenos para o crescimento da imprensa escrita: são os dispositivos de distribuição que se mostram, eles também, factores decisivos nas estratégias de expansão. Por outro lado, a Internet, tira leitores à imprensa escrita pois tem informação muito variada, de fácil e livre acesso. Mas a Internet poderá também funcionar como um modo de rejuvenescer o jornalismo. Desde logo porque se revela outro dispositivo de distribuição. E um texto pode ser acrescentado com ligações para outros textos, fotografias, vídeos, sons. As versões on-line podem celebrar a memória, disponibilizando textos e imagens de arquivo, recordações de outros tempos. Um jornal como o Diário de Notícias tem um património inestimável, dados os 141 anos de vida. Pelo DN passou a história do país. A Internet pode ainda facilitar o contacto com os leitores pelas múltiplas plataformas para estes se relacionarem com a imprensa. Gera novas receitas, com novos serviços, incluindo a publicidade em linha. Novas receitas podem ainda vir da organização de colóquios ou de informação especializada gerada no jornal, como faz The Economist.
A circulação media por habitante também é um elemento de crise, podendo ser, simultaneamente, um elemento da solução do problema. Parece possível que esse indicador continue a evoluir positivamente, de forma regular e mais acelerada. Chegar a 200 jornais por mil habitante poderia ser um objectivo de curto prazo, através de acções concertadas do sector.
A imprensa tem enfrentado crises sucessivas com o aparecimento de novos media e de novas condições. Mas, de cada vez, a imprensa escrita soube renovar-se. Como fará desta vez .
BLOCO NOTAS
Os jovens, as mulheres
“Em geral os jornais queixam-se que os jovens não têm hábitos de leitura da imprensa, mas resta saber se os jornais se estão a esforçar para que as novas gerações se revejam nos seus conteúdos. (...) O mesmo acontece com os leitores do sexo feminino que, em Portugal ainda representam uma quota baixa na leitura dos jornais.” Paulo Faustino enquadra estas duas prioridades, apontadas noutras ocasiões nesta coluna, na necessidade de se realizarem mais estudos pela imprensa para conhecer o perfil e as necessidades de informação dos seus actuais e potenciais leitores. A aposta em recursos humanos mais qualificados, a aposta em maior segmentação temática e geográfica, bem como a integração de novas tecnologias são algumas outras recomendações para boas práticas na gestão da imprensa. O autor também se refere ao facto de ao contrário de muitos países não ser a imprensa escrita, em Portugal, a obter mais investimento publicitário. Nalguns deles há mesmo quotas bem distantes da televisão, diz.
Paulo Faustino, A Imprensa em Portugal: Transformações e tendências, Lisboa, Media XXI
Paradoxos
Em Monção, as armas da cidade inserem uma heroína lendária, Deu-La-Deu Martins. No sítio do município pode ler-se : “Depois de um longo cerco às muralhas de Monção, a fome reinava no interior da fortaleza, o que impunha a rendição. Deu-la-Deu num misto de audácia e astúcia, simula com os pães lançados do alto da muralha às hostes inimigas, abundância onde só havia necessidade. Esta estratégia teve um excelente efeito psicológico. O inimigo pensando que a abundância na fortaleza era tal que a rendição pela fome era impossível, levantou o cerco.
”Watzlawic, no seu livro Change; Principles of Problem Formation and Problem Resolution, analisa paradoxos como este, que provocam mudanças radicais e cita aliás um exemplo semelhante. Trata-se de um livro que julgamos não estar editado em Portugal e que boa ajuda daria à compreensão da permanência e mudança, à formação de problemas e à sua resolução, temas fulcrais das crises.
Escreva
Escreva sobre a informação do DN para provedor2006@dn.pt: “A principal missão do provedor dos leitores consiste em atender as reclamações, dúvidas e sugestões dos leitores e em proceder à análise regular do jornal, formulando críticas e recomendações. O provedor exercerá, simultaneamente, de uma forma genérica, a crítica do funcionamento e do discurso dos media.”
Do Estatuto do Provedor dos Leitores do DN
Para outros assuntos : dnot@dn.pt
Crise, essencial à imprensa
José Carlos Abrantes
Pelo DN passou a história do país.
A imprensa tem enfrentado crises sucessivas com o aparecimento de novos media e de novas condições. Mas, de cada vez, a imprensa escrita soube renovar-se. Como fará desta vez .
Foram revelados recentemente os números das vendas de vários jornais de períodos comparados de 2004 e 2005. Verificou-se uma queda evidente, jornal a jornal, com poucas excepções. As razões da crise normalmente apontadas radicam no papel influente da televisão, na explosão da internet, no crescimento dos jornais gratuitos, bem como no baixo índice de leitura da imprensa. Alguns dos factores, como a internet ou a influência da televisão, são comuns a vários países. Mas a circulação média, embora tendo subido nos últimos anos para cerca de 90 jornais por cada mil habitantes, mantém-se como um indicador específico da fragilidade do nosso país (Paulo Faustino, ver Bloco Notas). Há países nórdicos onde se editam cerca de 600 jornais por cada mil habitantes. Portanto, há crise na imprensa escrita em Portugal.
Mas entendamo-nos sobre o sentido da palavra crise. A palavra tem origem no termo grego Krisis que significa decisão. No sentido corrente a crise passou a ser uma fase grave na evolução das coisas, dos acontecimentos, das ideias ou de uma doença. Os significados ligados à medicina apontam a crise como um momento de evolução de uma doença, um momento decisivo para a cura ou para a morte. Esta ideia de mudança de estado, de transição não tem que ser associada a um estado de evolução negativo. No início dos anos sessenta Thomas Kuhn escreveu que grandes transformações no pensamento científico levam a que os paradigmas de investigação dominantes sejam postos em causa (A estrutura das revoluções científicas). Nesses momentos instala-se uma crise que este considerou uma tensão essencial para a transição para novos modos de pensar a ciência. Esta atitude, menos divulgada, tem mais sentido para os agentes sociais que se encontram confrontados com as crises, dando-lhes novos horizontes e hipóteses de actuação. Se consideramos a crise como um momento de mudança, encontraremos também alguns elementos interessantes nas reflexões sobre o modo como estas se realizam. Há mudanças que se conseguem mais facilmente através de comportamentos paradoxais do que através de decisões de bom senso e lógica tradicional (ver Bloco Notas).
Mas voltemos então às origens da crise na imprensa. A imprensa gratuita tem dimensões contraditórias. Por um lado, retirou leitores aos jornais já estabelecidos. Mas, por outro, mostrou categoricamente que havia possibilidade de alargar o público leitor. Dada a gratuitidade, a imprensa paga não tem a mesma possibilidade de expansão. Mas esta evolução mostra que há outros terrenos para o crescimento da imprensa escrita: são os dispositivos de distribuição que se mostram, eles também, factores decisivos nas estratégias de expansão. Por outro lado, a Internet, tira leitores à imprensa escrita pois tem informação muito variada, de fácil e livre acesso. Mas a Internet poderá também funcionar como um modo de rejuvenescer o jornalismo. Desde logo porque se revela outro dispositivo de distribuição. E um texto pode ser acrescentado com ligações para outros textos, fotografias, vídeos, sons. As versões on-line podem celebrar a memória, disponibilizando textos e imagens de arquivo, recordações de outros tempos. Um jornal como o Diário de Notícias tem um património inestimável, dados os 141 anos de vida. Pelo DN passou a história do país. A Internet pode ainda facilitar o contacto com os leitores pelas múltiplas plataformas para estes se relacionarem com a imprensa. Gera novas receitas, com novos serviços, incluindo a publicidade em linha. Novas receitas podem ainda vir da organização de colóquios ou de informação especializada gerada no jornal, como faz The Economist.
A circulação media por habitante também é um elemento de crise, podendo ser, simultaneamente, um elemento da solução do problema. Parece possível que esse indicador continue a evoluir positivamente, de forma regular e mais acelerada. Chegar a 200 jornais por mil habitante poderia ser um objectivo de curto prazo, através de acções concertadas do sector.
A imprensa tem enfrentado crises sucessivas com o aparecimento de novos media e de novas condições. Mas, de cada vez, a imprensa escrita soube renovar-se. Como fará desta vez .
BLOCO NOTAS
Os jovens, as mulheres
“Em geral os jornais queixam-se que os jovens não têm hábitos de leitura da imprensa, mas resta saber se os jornais se estão a esforçar para que as novas gerações se revejam nos seus conteúdos. (...) O mesmo acontece com os leitores do sexo feminino que, em Portugal ainda representam uma quota baixa na leitura dos jornais.” Paulo Faustino enquadra estas duas prioridades, apontadas noutras ocasiões nesta coluna, na necessidade de se realizarem mais estudos pela imprensa para conhecer o perfil e as necessidades de informação dos seus actuais e potenciais leitores. A aposta em recursos humanos mais qualificados, a aposta em maior segmentação temática e geográfica, bem como a integração de novas tecnologias são algumas outras recomendações para boas práticas na gestão da imprensa. O autor também se refere ao facto de ao contrário de muitos países não ser a imprensa escrita, em Portugal, a obter mais investimento publicitário. Nalguns deles há mesmo quotas bem distantes da televisão, diz.
Paulo Faustino, A Imprensa em Portugal: Transformações e tendências, Lisboa, Media XXI
Paradoxos
Em Monção, as armas da cidade inserem uma heroína lendária, Deu-La-Deu Martins. No sítio do município pode ler-se : “Depois de um longo cerco às muralhas de Monção, a fome reinava no interior da fortaleza, o que impunha a rendição. Deu-la-Deu num misto de audácia e astúcia, simula com os pães lançados do alto da muralha às hostes inimigas, abundância onde só havia necessidade. Esta estratégia teve um excelente efeito psicológico. O inimigo pensando que a abundância na fortaleza era tal que a rendição pela fome era impossível, levantou o cerco.
”Watzlawic, no seu livro Change; Principles of Problem Formation and Problem Resolution, analisa paradoxos como este, que provocam mudanças radicais e cita aliás um exemplo semelhante. Trata-se de um livro que julgamos não estar editado em Portugal e que boa ajuda daria à compreensão da permanência e mudança, à formação de problemas e à sua resolução, temas fulcrais das crises.
Escreva
Escreva sobre a informação do DN para provedor2006@dn.pt: “A principal missão do provedor dos leitores consiste em atender as reclamações, dúvidas e sugestões dos leitores e em proceder à análise regular do jornal, formulando críticas e recomendações. O provedor exercerá, simultaneamente, de uma forma genérica, a crítica do funcionamento e do discurso dos media.”
Do Estatuto do Provedor dos Leitores do DN
Para outros assuntos : dnot@dn.pt