quarta-feira, janeiro 30, 2008
PREFÁCIO DO LIVRO Manual para Pais cujos Filhos Vêem demasiada Televisão
OS CONTOS DE FADAS DO SÉCULO XXI
Daniel Sampaio
Dantes era diferente: os nossos avós contavam-nos histórias de fadas e bruxas, os bonecos de Walt Disney eram populares e consumidos no cinema, em revistas para crianças ou na televisão, a estética agora ultrapassada de um Bambi ou da Bela Adormecida deixava-nos em lágrimas. Hoje o ogre Shrek apaixona-se a três dimensões, ninguém compreenderá por que razão a Minnie hesita sempre entre o Mickey e o Ranulfo, ou por que motivo um ser tão rico como o Tio Patinhas nunca teve namorada.
Os tempos mudaram, estamos todos de acordo, mas o importante é compreender o sentido da mudança. Uma criança de hoje nasce com o computador junto ao berço e em breve dirá que o avô tem de comprar um plasma, porque o seu velho televisor já não dá a imagem pretendida. A configuração de muitas famílias muda depressa, pelo divórcio ou pela fragilização dos laços afectivos com tios e avós. Todos se queixam de falta de tempo, mas muitas vezes não o sabem preservar para uma comunicação afectiva de proximidade. As próprias férias, desejadas com ansiedade, nem sempre levam ao descanso ambicionado e tudo é adiado para o próximo ano. Viver melhor tornou-se um objectivo obsessivo nunca alcançado e a melhoria dos bens materiais de muitos contrasta com a miséria de outros, sem que a luta pela satisfação imediata deixe tempo para nos tocarmos em profundidade: como acentua Zygmunt Bauman, a insegurança na capacidade de amar faz-nos viver naquilo que designa por “modernidade líquida”.
Serge Tisseron, o autor deste livro, não desistiu e só por isso vale a pena ler este “Manual para Pais”. Os contos de fadas do século XXI (quase) não são contados pelos pais e avós, entram pela casa dentro através das imagens e por vezes causam inquietação ou mesmo angústia a crianças e adolescentes: a solução, como adverte Tisseron, nunca poderá ser ignorá-las, censurá-las ou deixar que os mais novos as consumam sem pensar. Para uma criança, que desde o nascimento vai construindo a sua relação com o audiovisual, importa ter sempre um adulto à distância de uma voz. E, em caso de dúvida, Tisseron garante que a opinião da família prevalece, e eu não posso deixar de estar mais de acordo com ele: tantas vezes, no meu trabalho clínico com adolescentes, tenho de assegurar que uma palavra calma e firme de um pai vale mais do que cem encontros com os amigos.
Este livro é, por isso, também um manual para capacitar os pais junto dos filhos, pelo modo como transmite aos progenitores que o lerem a crença na família: não no agregado familiar “estável” ou “tradicional” de outrora, mas no espaço emocional que os mais novos exigem, garantia mínima (embora não completamente segura) de um futuro sem sobressaltos de maior. A atitude parental necessita assim de um equilíbrio constante entre liberdade concedida e controlo efectuado, por isso Tisseron recomenda aos pais limites às horas de consumo da televisão e da Internet, mas sobretudo disponibilidade para ouvir, para descodificar o que se vê, para falar da inquietação que se pode ter sentido, em suma, para estar com as crianças, nas suas palavras, “tentemos partir com elas, o mais cedo possível, ao encontro dos usos que dão às imagens”.
“Manual para Pais” começa por nos descrever como as imagens chegam aos bebés e como eles se “organizam” psiquicamente perante elas, para depois tratar das questões levantadas pela imprensa, a televisão, o cinema, a publicidade, os jogos de vídeo e a Internet. O modelo é sempre o mesmo, perguntas que poderiam ser colocadas por qualquer pai, a que o autor responde, de forma clara e estimulante. À primeira vista, pareceria um desafio difícil, pelo risco da resposta poder configurar uma espécie de “receita”, tão do agrado de manuais de auto-ajuda de leitura fácil: mas o resultado é surpreendente, porque Tisseron amplia o foco da questão e abre perspectivas para a descoberta de soluções pela própria família, num cenário de partilha e escolhas mútuas a que ninguém deverá ficar indiferente.
Parecem-me particularmente significativas as reflexões sobre a Internet. Tisseron adverte para alguns riscos, ao escrever que “o perigo não é a «dessocialização» através da Internet, mas sim a socialização fora do grupo tradicional de referência”. Tenho para mim que a Internet é mesmo uma forma pós-moderna de “generation gap” que, tal como este conceito antigo, pode ser bom ou mau, conforme o uso que dele façamos. Assim, o Autor afirma ser essencial os pais ajudarem os jovens a compreender as regras que regem a Internet, em vez de centrarem a sua acção numa proibição rígida da sua utilização, como infelizmente começa a acontecer por aí. Neste sentido, Tisseron fez-me lembrar Castells, que escreveu: “ (...) mesmo que você não se relacione com as redes, as redes vão relacionar-se consigo. Enquanto quiser continuar a viver em sociedade, neste tempo e neste lugar, terá de lidar com a sociedade em rede. Porque vivemos na Galáxia Internet”.
A leitura de “Manual para pais”, de Serge Tisseron, não pode deixar ninguém indiferente: obriga à reflexão e à tomada de decisões, mas sobretudo fornece conteúdos sólidos para a reflexão sobre o outro, a base última para a vida de todos nós.
Daniel Sampaio
Dantes era diferente: os nossos avós contavam-nos histórias de fadas e bruxas, os bonecos de Walt Disney eram populares e consumidos no cinema, em revistas para crianças ou na televisão, a estética agora ultrapassada de um Bambi ou da Bela Adormecida deixava-nos em lágrimas. Hoje o ogre Shrek apaixona-se a três dimensões, ninguém compreenderá por que razão a Minnie hesita sempre entre o Mickey e o Ranulfo, ou por que motivo um ser tão rico como o Tio Patinhas nunca teve namorada.
Os tempos mudaram, estamos todos de acordo, mas o importante é compreender o sentido da mudança. Uma criança de hoje nasce com o computador junto ao berço e em breve dirá que o avô tem de comprar um plasma, porque o seu velho televisor já não dá a imagem pretendida. A configuração de muitas famílias muda depressa, pelo divórcio ou pela fragilização dos laços afectivos com tios e avós. Todos se queixam de falta de tempo, mas muitas vezes não o sabem preservar para uma comunicação afectiva de proximidade. As próprias férias, desejadas com ansiedade, nem sempre levam ao descanso ambicionado e tudo é adiado para o próximo ano. Viver melhor tornou-se um objectivo obsessivo nunca alcançado e a melhoria dos bens materiais de muitos contrasta com a miséria de outros, sem que a luta pela satisfação imediata deixe tempo para nos tocarmos em profundidade: como acentua Zygmunt Bauman, a insegurança na capacidade de amar faz-nos viver naquilo que designa por “modernidade líquida”.
Serge Tisseron, o autor deste livro, não desistiu e só por isso vale a pena ler este “Manual para Pais”. Os contos de fadas do século XXI (quase) não são contados pelos pais e avós, entram pela casa dentro através das imagens e por vezes causam inquietação ou mesmo angústia a crianças e adolescentes: a solução, como adverte Tisseron, nunca poderá ser ignorá-las, censurá-las ou deixar que os mais novos as consumam sem pensar. Para uma criança, que desde o nascimento vai construindo a sua relação com o audiovisual, importa ter sempre um adulto à distância de uma voz. E, em caso de dúvida, Tisseron garante que a opinião da família prevalece, e eu não posso deixar de estar mais de acordo com ele: tantas vezes, no meu trabalho clínico com adolescentes, tenho de assegurar que uma palavra calma e firme de um pai vale mais do que cem encontros com os amigos.
Este livro é, por isso, também um manual para capacitar os pais junto dos filhos, pelo modo como transmite aos progenitores que o lerem a crença na família: não no agregado familiar “estável” ou “tradicional” de outrora, mas no espaço emocional que os mais novos exigem, garantia mínima (embora não completamente segura) de um futuro sem sobressaltos de maior. A atitude parental necessita assim de um equilíbrio constante entre liberdade concedida e controlo efectuado, por isso Tisseron recomenda aos pais limites às horas de consumo da televisão e da Internet, mas sobretudo disponibilidade para ouvir, para descodificar o que se vê, para falar da inquietação que se pode ter sentido, em suma, para estar com as crianças, nas suas palavras, “tentemos partir com elas, o mais cedo possível, ao encontro dos usos que dão às imagens”.
“Manual para Pais” começa por nos descrever como as imagens chegam aos bebés e como eles se “organizam” psiquicamente perante elas, para depois tratar das questões levantadas pela imprensa, a televisão, o cinema, a publicidade, os jogos de vídeo e a Internet. O modelo é sempre o mesmo, perguntas que poderiam ser colocadas por qualquer pai, a que o autor responde, de forma clara e estimulante. À primeira vista, pareceria um desafio difícil, pelo risco da resposta poder configurar uma espécie de “receita”, tão do agrado de manuais de auto-ajuda de leitura fácil: mas o resultado é surpreendente, porque Tisseron amplia o foco da questão e abre perspectivas para a descoberta de soluções pela própria família, num cenário de partilha e escolhas mútuas a que ninguém deverá ficar indiferente.
Parecem-me particularmente significativas as reflexões sobre a Internet. Tisseron adverte para alguns riscos, ao escrever que “o perigo não é a «dessocialização» através da Internet, mas sim a socialização fora do grupo tradicional de referência”. Tenho para mim que a Internet é mesmo uma forma pós-moderna de “generation gap” que, tal como este conceito antigo, pode ser bom ou mau, conforme o uso que dele façamos. Assim, o Autor afirma ser essencial os pais ajudarem os jovens a compreender as regras que regem a Internet, em vez de centrarem a sua acção numa proibição rígida da sua utilização, como infelizmente começa a acontecer por aí. Neste sentido, Tisseron fez-me lembrar Castells, que escreveu: “ (...) mesmo que você não se relacione com as redes, as redes vão relacionar-se consigo. Enquanto quiser continuar a viver em sociedade, neste tempo e neste lugar, terá de lidar com a sociedade em rede. Porque vivemos na Galáxia Internet”.
A leitura de “Manual para pais”, de Serge Tisseron, não pode deixar ninguém indiferente: obriga à reflexão e à tomada de decisões, mas sobretudo fornece conteúdos sólidos para a reflexão sobre o outro, a base última para a vida de todos nós.
Bem aparecido seja! Já estava a ficar preocupada...
Leonor