sexta-feira, agosto 31, 2007
IMAGENS EM PALAVRAS
"Diana vale mais que mil palavras 31.08.2007
Enquanto Paul Hensby procura as palavras - a vista do Tamisa é inspiradora -, nem repara que do lado de cá da janela, mesmo atrás de si, está uma imagem que vale por mil palavras: um rapaz negro está sentado numa cama, olha para cima e do que ele vê vislumbramos apenas um corpo vestido de branco.
Se houve algo que Diana deixou, foram imagens - e das centenas por onde escolher, este é talvez o melhor retrato da princesa para assinalar o décimo aniversário da sua morte: uma fotografia em que Diana mal aparece. O que torna esta imagem especial não é o rosto fascinado do rapaz, não é sequer o poder sugestivo da figura vestida de branco para quem olha e que não vemos; mas simplesmente o ponto de vista - o olhar ao nível do rapaz. É isto que Paul Hensby, director de comunicação da Fundação Diana, Princesa de Gales (Diana, Princess of Wales Memorial Fund), está a tentar dizer: olhar para Diana é olhar para aqueles que nunca ninguém se lembra de olhar.
História de uma imagem
"Estava numa reunião em Luanda quando a minha mãe me telefonou do Reino Unido a dizer que a princesa Diana ia visitar o Cuíto e o Huambo. Telefonei imediatamente para o escritório da Halo Trust a perguntar se sabiam de alguma coisa. Asseguraram-me que uma visita da princesa Diana não estava planeada. Passado um bocado, a minha mãe volta a ligar: "Está no telejornal outra vez, decididamente ela vai.""
Paul Heslop, director de operações da ONG de desminagem Halo Trust em Angola, em 1997, quando Diana visitou o país, tem ainda outra história para contar - de uma noite a coser um logótipo a um colete. Nessa noite ocorreu-lhe que no dia seguinte talvez fosse despedido. O Halo Trust não fazia publicidade nem estratégias de relações públicas; fazia o que tinha a fazer, cumpria o que o seu slogan prometia - tirar minas dos campos, já! Também pensou, enquanto cosia toscamente, mas o suficiente para que não caísse, que o dia seguinte podia ser um sucesso, pensou mesmo: o dia seguinte seria um marco na história do trabalho de campanha contra minas antipessoais.
No dia seguinte, a princesa Diana vestiu o colete em que Paul Heslop tinha cosido o logótipo da Halo Trust e avançou, corajosamente, elegante como sempre, por um campo minado no Huambo, Angola. O resto da história da imagem já se sabe - como diz Heslop, tornou-se uma das imagens simbólicas do século XX.
A Simon Conway acontece-lhe exactamente o mesmo que a Paul Heslop. Basta, por exemplo, ir a um jantar: "O que fazes na vida?", "Director da Landmine Action", "Minas, ah! - princesa Diana". Não importa que passem 10 anos, provavelmente não importa que passem outros 10 - minas antipessoais=princesa Diana. A isto - ossos de ofício de quem tem que chamar as coisas pelos nomes - Paul Hensby chama marca. Se o trabalho humanitário - sobretudo nalgumas áreas como as minas antipessoais ou a luta contra a sida - pudesse ser embalado ou engarrafado, no rótulo viria Diana, o nome e possivelmente um rosto sorridente, imediatamente identificável, eficiente como um logótipo. Simon Conway - ossos do ofício de quem só sobrevive se acreditar - chama-lhe magia. Conway já viu a magia acontecer. Estava no Cáucaso Norte com um colega. Sem falarem russo, precisavam de explicar à polícia o que iam ali fazer - apontaram para a fotografia da princesa Diana, deixaram-nos passar.
Quem pode ser tão icónico?
Conway ainda conta com essa magia, como Hensby confia na sua marca, para o trabalho da Landmine Action, que, com o financiamento da Fundação Diana, Princesa de Gales, se dedica à campanha para banir bombas de fragmentação, detritos de guerra com consequências semelhantes às minas antipessoais. Simon Conway tem esperança que o tratado internacional seja assinado já para o ano, assim como tem esperança que os países ocidentais pensem melhor como intervir militarmente, se vão continuar políticas de intervenção.
E para se travarem estas lutas, nem Angelina Jolie (com quem Conway já trabalhou) nem outra celebridade preocupada com causas humanitárias, quer seja por moda ou genuíno interesse; cada vez que lhe perguntam porque não arranja um porta-voz mediático, responde: "Não preciso". E de facto, não precisa de ninguém de carne e osso, basta uma imagem: "Quem pode ser tão simbólico como a princesa Diana?"
"O trabalho de uma vida não acaba com a morte", escreveu Nelson Mandela para a edição de aniversário que a Fundação Diana, Princesa de Gales, publicou. Mas talvez se trate precisamente do trabalho da morte.
A morte continua a trabalhar. A cada aniversário, olha-se para Diana de forma diferente. Este é o olhar que fica - passem as discussões sobre realeza, celebridade, media e as emoções de uma sociedade -; o olhar que continua - porque continua o trabalho humanitário através da fundação, pelo menos até 2015 -; o olhar que ainda produz imagens. Noutros aniversários, voltando a este gabinete debruçado para o rio, provavelmente vamo-nos confrontar com outros rapazes, novas imagens. E cada uma valerá mil palavras. Susana Moreira Marques, Londres"
Do Público, hoje
Enquanto Paul Hensby procura as palavras - a vista do Tamisa é inspiradora -, nem repara que do lado de cá da janela, mesmo atrás de si, está uma imagem que vale por mil palavras: um rapaz negro está sentado numa cama, olha para cima e do que ele vê vislumbramos apenas um corpo vestido de branco.
Se houve algo que Diana deixou, foram imagens - e das centenas por onde escolher, este é talvez o melhor retrato da princesa para assinalar o décimo aniversário da sua morte: uma fotografia em que Diana mal aparece. O que torna esta imagem especial não é o rosto fascinado do rapaz, não é sequer o poder sugestivo da figura vestida de branco para quem olha e que não vemos; mas simplesmente o ponto de vista - o olhar ao nível do rapaz. É isto que Paul Hensby, director de comunicação da Fundação Diana, Princesa de Gales (Diana, Princess of Wales Memorial Fund), está a tentar dizer: olhar para Diana é olhar para aqueles que nunca ninguém se lembra de olhar.
História de uma imagem
"Estava numa reunião em Luanda quando a minha mãe me telefonou do Reino Unido a dizer que a princesa Diana ia visitar o Cuíto e o Huambo. Telefonei imediatamente para o escritório da Halo Trust a perguntar se sabiam de alguma coisa. Asseguraram-me que uma visita da princesa Diana não estava planeada. Passado um bocado, a minha mãe volta a ligar: "Está no telejornal outra vez, decididamente ela vai.""
Paul Heslop, director de operações da ONG de desminagem Halo Trust em Angola, em 1997, quando Diana visitou o país, tem ainda outra história para contar - de uma noite a coser um logótipo a um colete. Nessa noite ocorreu-lhe que no dia seguinte talvez fosse despedido. O Halo Trust não fazia publicidade nem estratégias de relações públicas; fazia o que tinha a fazer, cumpria o que o seu slogan prometia - tirar minas dos campos, já! Também pensou, enquanto cosia toscamente, mas o suficiente para que não caísse, que o dia seguinte podia ser um sucesso, pensou mesmo: o dia seguinte seria um marco na história do trabalho de campanha contra minas antipessoais.
No dia seguinte, a princesa Diana vestiu o colete em que Paul Heslop tinha cosido o logótipo da Halo Trust e avançou, corajosamente, elegante como sempre, por um campo minado no Huambo, Angola. O resto da história da imagem já se sabe - como diz Heslop, tornou-se uma das imagens simbólicas do século XX.
A Simon Conway acontece-lhe exactamente o mesmo que a Paul Heslop. Basta, por exemplo, ir a um jantar: "O que fazes na vida?", "Director da Landmine Action", "Minas, ah! - princesa Diana". Não importa que passem 10 anos, provavelmente não importa que passem outros 10 - minas antipessoais=princesa Diana. A isto - ossos de ofício de quem tem que chamar as coisas pelos nomes - Paul Hensby chama marca. Se o trabalho humanitário - sobretudo nalgumas áreas como as minas antipessoais ou a luta contra a sida - pudesse ser embalado ou engarrafado, no rótulo viria Diana, o nome e possivelmente um rosto sorridente, imediatamente identificável, eficiente como um logótipo. Simon Conway - ossos do ofício de quem só sobrevive se acreditar - chama-lhe magia. Conway já viu a magia acontecer. Estava no Cáucaso Norte com um colega. Sem falarem russo, precisavam de explicar à polícia o que iam ali fazer - apontaram para a fotografia da princesa Diana, deixaram-nos passar.
Quem pode ser tão icónico?
Conway ainda conta com essa magia, como Hensby confia na sua marca, para o trabalho da Landmine Action, que, com o financiamento da Fundação Diana, Princesa de Gales, se dedica à campanha para banir bombas de fragmentação, detritos de guerra com consequências semelhantes às minas antipessoais. Simon Conway tem esperança que o tratado internacional seja assinado já para o ano, assim como tem esperança que os países ocidentais pensem melhor como intervir militarmente, se vão continuar políticas de intervenção.
E para se travarem estas lutas, nem Angelina Jolie (com quem Conway já trabalhou) nem outra celebridade preocupada com causas humanitárias, quer seja por moda ou genuíno interesse; cada vez que lhe perguntam porque não arranja um porta-voz mediático, responde: "Não preciso". E de facto, não precisa de ninguém de carne e osso, basta uma imagem: "Quem pode ser tão simbólico como a princesa Diana?"
"O trabalho de uma vida não acaba com a morte", escreveu Nelson Mandela para a edição de aniversário que a Fundação Diana, Princesa de Gales, publicou. Mas talvez se trate precisamente do trabalho da morte.
A morte continua a trabalhar. A cada aniversário, olha-se para Diana de forma diferente. Este é o olhar que fica - passem as discussões sobre realeza, celebridade, media e as emoções de uma sociedade -; o olhar que continua - porque continua o trabalho humanitário através da fundação, pelo menos até 2015 -; o olhar que ainda produz imagens. Noutros aniversários, voltando a este gabinete debruçado para o rio, provavelmente vamo-nos confrontar com outros rapazes, novas imagens. E cada uma valerá mil palavras. Susana Moreira Marques, Londres"
Do Público, hoje