sexta-feira, junho 02, 2006
OBTER IMAGENS
Uma carta de um leitor, no Público de hoje, coloca problemas interessantes sobre o modo de obter imagens.
Reportagem com câmara oculta
No dia 30 de Maio de 2006, cerca das 21h00, o canal 1 da RTP transmitiu, ao longo de cerca de 30 minutos, imagens captadas em salas de aulas de uma escola secundária pública, das quais constavam alunos, professores e outros funcionários.
Tais imagens foram captadas por meio de "câmara oculta" [sic], sem conhecimento e sem consentimento dos alunos filmados e foram reproduzidas publicamente sem autorização destes (tratando-se de menores, dos seus representantes legais), os quais, acresce, se encontravam no local onde foram filmados, não por escolha, mas no cumprimento da obrigação legal (que incumbe aos seus encarregados de educação) de cumprir a escolaridade mínima obrigatória.
Sendo certo que as faces dos menores filmados não eram identificáveis nas imagens transmitidas, certamente o foram para quem as captou, montou e divulgou, e permanecerão identificáveis nos registos mantidos dessas imagens. Por outro lado, sendo discernível a cor de pele dos menores, a sua estrutura morfológica e a roupa que tinham vestidos, a identidade dos menores filmados era perfeitamente reconhecível para quem se insira no respectivo círculo social.
De acordo com os jornalistas da RTP, a instalação da "câmara oculta" foi autorizada pelo conselho directivo da escola em causa. Por sua vez, a empresa pública de televisão forneceu os meios técnicos para aquela instalação, inseriu as imagens em apreço numa reportagem produzida, realizada e comentada por funcionários seus, e enquadrou a exibição das imagens assim obtidas num debate em que participou, designadamente, um secretário de Estado.
As imagens captadas e/ou a respectiva captação foram manipuladas de modo a que, em regra, as mesas dos professores (e estes) se encontrassem fora do enquadramento. As imagens foram exibidas truncadas, sem qualquer inserção contextual ou explicação para os comportamentos exibidos. Pelo contrário, surgiram sem som ambiente, e acompanhadas de uma narração subjectiva e emocional e desconforme com as imagens que apresentava (v.g. qualificando de aulas períodos que, manifestamente, não eram lectivos - nalguns achavam-se funcionárias a fazer as limpezas) e de uma música de fundo constante, obviamente retirada da banda sonora de um filme de terror ou suspense.
Os factos ora narrados conformam crimes e infracções disciplinares e deontológicas cuja evidência é chocante. Impõe-se a abertura imediata, pelas entidades competentes, dos procedimentos necessários à punição de quem os praticou. Pessoas que desconhecem de forma tão absoluta os direitos de personalidade dos restantes cidadãos (mesmo daqueles que, na sua magistral opinião, não os merecem) não podem, pura e simplesmente, exercer as actividades de professores, jornalistas e governantes.
Não se pode repetir o grotesco espectáculo de ver tais "distintas personagens" a exigir a obediência de alunos de condição sócio-económica miserável aos melhores padrões de civilidade, enquanto eles próprios violavam os mais básicos vínculos de confiança e respeito a que estão obrigados para com estes e para com a comunidade, e demonstravam o mais inconcebível desconhecimento (ou desconsideração) pelas regras éticas das suas profissões e pela Constituição e leis da República.
José Pedro Tomás Lisboa