segunda-feira, novembro 20, 2006
A FÁBRICA DO OLHAR Excerto Capítulo XVII
Capítulo XVII OLHARES SUBMARINOS Jean Painlevé (1907-1989)
O aparecimento da câmara
Se não tivesse uma câmara, se dispusesse apenas da máquina fotográfica, Jean Painlevé nunca teria dado a descobrir aos seus contemporâneos o beicinho amuado do hipocampo ou a pá em cruzes da cauda dos camarões. O facto de os seus filmes serem «biológicos», como dizia de si próprio, não significa que obedeçam às regras do documentário científico clássico. É verdade que convidam à descoberta das espantosas formas dos invertebrados marinhos, mas não «ensinam» nada, se «ensinar» consiste em transmitir conhecimentos escolares. Esse não é o seu objectivo. O seu cinema procura, inventa, funda.
A obra cinematográfica de Jean Painlevé continua a ser ainda pouco conhecida; no entanto, marcou fortemente o público sem televisão da época anterior à Segunda Guerra Mundial. As suas imagens inauguraram, para o grande público, a descoberta dos invertebrados marinhos. O filme O Hipocampo, realizado em 1935, acompanhado de comentários deliberadamente antropomorfos, conheceu um verdadeiro sucesso público. O espantoso cavalo-marinho era usado em broches, brincos e bordado nas camisolas, como um sinal de ligação ou de pertença. Na verdade, Jean Painlevé, o chistoso, divertia-se a eliminar as fronteiras. Detendo-se neste peixe macho que toma conta dos filhos na sua bolsa ventral, demonstrava que a divisão social do trabalho entre homens e mulheres não tinha fundamentos biológicos. E no metropolitano falava-se destas mudanças na divisão das tarefas. O hipocampo tornara-se – para todos – emblema de aspiração à liberdade.