terça-feira, novembro 28, 2006
A FÁBRICA DO OLHAR Excerto Capítulo XXII
Chegou ao fim a publicação de curtos excertos do livro de Monique Sicard.
Capítulo XXII IMAGENS DO CORPO Ecografias, 1997
Um corpo inaudito
Desde a invenção da radiografia que o olhar médico penetra no interior do corpo vivo, solicita o auxílio de máquinas que «vêem» melhor do que nós. E sabemos agora – desde a primeira tele-operação mundial de coração aberto realizada no hospital Broussais em Maio de 1998 – que podemos ser «mexidos», operados à distância por um cirurgião que nos observa a partir de um lugar que desconhecemos de todo. Tudo muda. Não só o corpo, a imagem que temos de nós próprios, como também as hierarquias médicas, as instituições e as responsabilidades. Não só a medicina, como também a doença.
A imagética médica não se deve situar no mesmo nível que a do planeta Marte ou a do big bang. Quando olhamos para as nossas próprias radiografias, não observamos um corpo que habitamos, nós somos esse corpo que observamos. A distância entre a «pele» material da imagem e a força potencial do seu impacto torna-se aqui muito importante: uma imagem tem um poder extraordinário! Mal difundida, mal lida, mal apresentada ou, pior, não dominada, uma imagem médica pode mudar uma vida. Esta diferença entre a sua produção mecânica e o impacto afectivo da leitura deve ser levada em conta: com efeito, uma imagem nunca é um certificado de boa saúde. Quando muito, assegura que nada há para ver. É verdade que mostra evoluções positivas, mas o seu triunfo decorre da capacidade de tornar visíveis as patologias, por vezes até antes do aparecimento de qualquer sintoma.