terça-feira, outubro 21, 2003
IMAGENS MENTAIS
Os sonhos de que falamos ontem são imagens mentais que fabricamos e com as quais vivemos, ora reconfortados, ora incomodados, ora indiferentes, por vezes, perplexos.
É impossível deixar de recordar o poema de António Gedeão que Manuel Freire imortalizou numa canção (julgo que já o citei, mas porque não relembrar outra vez um poema bandeira da cultura de resistência? Voltámos, aliás, a precisar de sonhar, como em tempos idos. Valham-nos as imagens interiores ou as metáforas poéticas e literárias).
Pedra filosofal
Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer,
como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso,
como este ribeiro manso
em serenos sobressaltos,
como estes pinheiros altos
que em verde e oiro se agitam,
como estas aves que gritam
em bebedeiras de azul.
Eles não sabem que o sonho
É vinho, é espuma, é fermento,
Bichinho álacre e sedento,
De focinho pontiagudo, que fossa através de tudo
Num perpétuo movimento.
Eles não sabem que o sonho
é tela, é cor, é pincel,
base, fuste, capitel,
arco em ogiva, vitral,
pináculo de catedral,
contraponto, sinfonia, máscara grega, magia,
que é retorta de alquimista, mapa do mundo distante,
rosa-dos-ventos, Infante,
caravela quinhentista, que é cabo da Boa Esperança,
ouro, canela, marfim,
florete de espadachim,
bastidor, passo de dança,
Colombina e Arlequim,
passarola voadora,
pára-raios, locomotiva,
barco de proa festiva, alto-forno, geradora,
cisão do átomo, radar,
ultra-som, televisão,
desembarque em foguetão
na superfície lunar.
Eles não sabem, nem sonham
que o sonho comanda a vida.
Que sempre que um homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos de uma criança.
António Gedeão,
Movimento perpétuo, 1956
Os sonhos de que falamos ontem são imagens mentais que fabricamos e com as quais vivemos, ora reconfortados, ora incomodados, ora indiferentes, por vezes, perplexos.
É impossível deixar de recordar o poema de António Gedeão que Manuel Freire imortalizou numa canção (julgo que já o citei, mas porque não relembrar outra vez um poema bandeira da cultura de resistência? Voltámos, aliás, a precisar de sonhar, como em tempos idos. Valham-nos as imagens interiores ou as metáforas poéticas e literárias).
Pedra filosofal
Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer,
como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso,
como este ribeiro manso
em serenos sobressaltos,
como estes pinheiros altos
que em verde e oiro se agitam,
como estas aves que gritam
em bebedeiras de azul.
Eles não sabem que o sonho
É vinho, é espuma, é fermento,
Bichinho álacre e sedento,
De focinho pontiagudo, que fossa através de tudo
Num perpétuo movimento.
Eles não sabem que o sonho
é tela, é cor, é pincel,
base, fuste, capitel,
arco em ogiva, vitral,
pináculo de catedral,
contraponto, sinfonia, máscara grega, magia,
que é retorta de alquimista, mapa do mundo distante,
rosa-dos-ventos, Infante,
caravela quinhentista, que é cabo da Boa Esperança,
ouro, canela, marfim,
florete de espadachim,
bastidor, passo de dança,
Colombina e Arlequim,
passarola voadora,
pára-raios, locomotiva,
barco de proa festiva, alto-forno, geradora,
cisão do átomo, radar,
ultra-som, televisão,
desembarque em foguetão
na superfície lunar.
Eles não sabem, nem sonham
que o sonho comanda a vida.
Que sempre que um homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos de uma criança.
António Gedeão,
Movimento perpétuo, 1956